BuscaPé, líder em comparação de preços na América Latina

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

As Epilepsias


AS EPILEPSIAS
Vera Amaral

As crises convulsivas da epilepsia são conhecidas desde a Antiguidade, quando, sob o nome de mal comicial, significavam bons presságios para o candidato que tivesse a sorte de, durante seu discurso, um dos ouvintes ter uma dessas crises.

Atualmente a Organização Mundial da Saúde estima em 4% a incidência na população geral. No Brasil estatísticas não muito rigorosas falam em aproximadamente mais de cinco milhões de epilépticos, o que mostra a grande importância médico-social do tema.

Apesar de ser uma doença basicamente neurológica, a epilepsia assume grande importância para a Psicologia não só pelas alterações psicopatológicas observadas, mas também pelo aspecto estigmatizante que ela carrega, principalmente nas populações mais pobres, onde ainda se observa a idéia de que seria contagiosa.


EPILEPSIA É SINÔNIMO DE CONVULSÃO?

Popularmente sempre que se pensa em epilepsia imagina-se uma crise em que o indivíduo cai no chão, "se bate" e "espuma", ou seja, tem uma convulsão. Desta maneira epilepsia e convulsão seriam praticamente a mesma coisa. Na verdade nem toda epilepsia cursa com convulsões, assim como nem todo "ataque" é epiléptico.

Reserva-se o termo epilepsia para os distúrbios transitórios e paroxísticos da função cerebral resultantes de descarga hiperssincrônica de um grande grupo de neurônios, que inicia-se subitamente, cessa espontaneamente e tende a se repetir. A epilepsia na verdade é uma espécie de curto-circuito na atividade elétrica do cérebro.

Com o conceito assim restrito a epilepsia vai se di­ferenciar das chamadas "crises apopléticas", onde há uma diminuição repentina das funções cerebrais geralmente por isque­mia, e também das crises em que a ativação neuronal se deveu a fatores psicogênicos, como nas crises histéricas. Em ambos os casos pode ocorrer convulsão, mas não é epilepsia.

A rigor qualquer um de nós pode ter uma crise convulsiva, desde que o nosso cérebro sofra uma agressão tal que provoque a hiperatividade dos neurônios. É o que ocorre, por exemplo, na Eletroconvulsoterapia, o chamado Eletrochoque, onde devido a uma descarga elétrica na região temporal, o indivíduo desencadeia uma crise convulsiva.

Para a explicitação tão precisa deste conceito foi de fundamental importância o surgimento do Eletroencefalograma, que possibilitou a captação da atividade elétrica do cérebro através do couro cabe­ludo. Isso foi na década de 20, mas ainda hoje esse exame é muitas vezes decisivo no diagnóstico das convulsões.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

As crises epilépticas podem ser divididas em dois grandes grupos: generalizadas e focais, tendo por base a observação clínica e eletroencefalográfica.

1. Crises Generalizadas

Também chamadas de centroencefálicas, estas crises se caracterizam pelo fato da hiperssincronia atingir, desde o começo, as duas metades do cérebro de forma sincrônica e simétrica. A origem da hiperssincronia é no sistema reticular do tronco cerebral, que localiza-se no centroencéfalo e tem como função principal o controle da função sono-vigília, e daí difunde-se para todo o córtex cerebral. Clinicamente se caracteriza pela abolição imediata da consciência e o surgimento de fenômenos motores.

Dentre a crises generalizadas pode-se subdividir outros dois tipos: as crise de Grande Mal e as crises de Pequeno Mal.

Crises de Grande Mal - O início é súbito, com perda imediata da consciência e queda ao solo (muitas vezes provocando feri­mentos sérios no paciente). Imediatamente o paciente entra na chamada fase tônica, onde um espasmo intenso deixa toda a musculatura rígida, a respiração cessa, as pupilas se dilatam e os olhos ficam insensíveis ao toque. Há um aumento da pressão arterial e o rosto fica cianótico. Essa fase dura de 10 a 20 segundos, ao final do que o paciente entra na fase clônica, que se caracteriza pela descontração e contração da musculatura de forma rítmica, gerando sacudidas rápidas e violentas de todo o corpo. Nesta fase pode haver emissão de urina e raramente de fezes. Há um aumento da atividade das glândulas salivares que, em função da contração da musculatura, é expelida sob a forma de espuma. Aqui pode acontecer mordida de língua, que muitas vezes atinge proporções sérias. Essa fase dura cerca de 30 segundos, quando as sacudidelas vão se espaçando até cessarem. A crise termina com um sono profundo, que dura cerca de 10 minutos. Alguns pacientes ao invés de sono permanecem em um estado de consciência torporosa, com agitação e pensamento incoerente.

Crises de Pequeno Mal - As crises de Pequeno Mal são pratica­mente típicas da infância e não cursam com convulsão. Geral­mente são crises de muito curta duração. Clinicamente podem se apresentar de três formas:

a) Ausência - Sem sintomas premonitórios o pa­ciente perde a consciência inteiramente e permanece imóvel, não escuta e não vê; o olhar é fixo e vago, a face, pálida. Se estava executando alguma tarefa, para; se estava falando, cala-se. Não há modificação do tônus muscular, e portanto não há queda ao solo. Ao fim de 5 a 15 segundos ele retoma suas atividades onde havia interrompido, sem se dar conta do que ocorreu.

b) Crises Mioclônicas - Há perda da consciência por um tempo de décimos de segundo, com a manifestação clínica de sacudidas musculares mais ou menos intensas, generalizadas por todo o corpo, mas principalmente atingindo cabeça e braços.

c) Crises Acinéticas - Aqui a manifestação clínica é traduzida por uma inibição brusca do tônus postural, que dura menos de 1 segundo, e que pode levar o paciente a cair ou apenas mostrar uma flexão da cabeça sobre o tórax.

2. As Crises Focais

As crise focais ou parciais se expressam quando a hiperssincronia neuronal está restrita apenas a um grupo de neurônios. Aqui, geralmente não há perda total da consciência e a clínica varia de acordo com a região atingida.

São nas crises focais onde se vai observar o fenômeno da aura epiléptica. No estudo das Epilepsias chama-se aura a um tipo de sintoma que antecede em poucos segundo o desencadeamento da crise propriamente dita. Este sintoma é, também, variado, e mostra uma relação com a região cerebral onde a crise está se dando. Assim pode-se observar fenômenos vi­suais (visões de manchas colo­ridas, por exemplo) indicando que a crise é occipital, fenômenos auditivos (audição de sons, músicas, ruídos) indicando tratar-se de crise parietal, etc.. A importância da observação da aura prende-se ao fato de que, muitas vezes, este é o único sintoma da doença, e aponta para um diagnóstico diferencial com as crises generalizadas, já que ela é exclusiva das crises focais.

Dependendo da localização as crises focais podem ter importância puramente neurológica, sem o aparecimento de sintomas psicopatológicos. So­mente a título de informação poderiamos lembrar as chamadas crises Bravais-jacksonianas, que de caracterizam por uma atividade tônica e em seguida clônica, localizada em determinado segmento corporal, sem perda da consciência.

Epilepsia de lobo temporal - Do ponto de vista da psicopatologia a crise focal mais importante é a que atinge o lobo temporal, desencadeando a chamada epilepsia de lobo temporalepilepsia psicomotora. São crises sem convulsão e com uma alteração da consciência do tipo estreitamento, sem a sua abolição. Os sintomas são muito ricos e variam de paciente para paciente. Didaticamente, se poderia notar: ou

Automatismos - realização de atos motores automáticos e inconscientes, que podem ser simples como pentear-se ou abotoar-se, ou mais complexos como caminhar, tomar ônibus, dirigir. Evidentemente que pela alteração da consciência, o paciente não guarda qualquer lembrança de tais atos.

Ilusões e alucinações - visuais (visão de pessoas, bichos, objetos), auditivas (ruídos, zumbidos), olfativas (odores desagradáveis).

Distúrbios do reconhecimento - fenômenos de déjà vu (sensações de já visto, já vivido), jamais vu (jamais visto) ou estados oníricos na presença do estreitamento de consciência.

Outras alterações psíquicas do tipo: ansiedade, medo, agressividade, pensamentos obsessivos e ações compulsivas.

Em função dos sinto­mas produtivos descritos esses quadros são também chamados de psicoses epilépticas, e são algumas vezes confundidos com quadros de esquizofrenia. No entanto, a alteração de cons­ciência presente neles faz o diagnóstico diferencial. Uma condição interessante nestes quadros é que se no seu curso o paciente apresenta uma crise convulsiva, os sintomas psicóticos desaparecem. Essa observação justificou durante muito tempo o uso do Eletrochoque em esquizofrênicos, na tentativa de sustar os sintomas psicóticos pela provocação de uma crise convulsiva. Alguns ainda preconizam este tratamento para as psicoses epilépticas resistentes à medicação. Uma outra condição interessante nestes quadros, e para a qual não há uma justificativa consistente, é que o traçado eletroencefalográfico feito durante sua vigência pode não apresentar qualquer alteração, o que pode dificultar o diagnóstico.

Este tipo de sintomatologia faz também destes pa­cientes a única categoria relativamente perigosa dentre as doenças mentais. O estreita­mento da consciência, a possibilidade de atos automáticos complexos, a agressividade, podem fazer com que esses indivíduos cometam atos violentos, dos quais não guardam lembrança, nem são penalmente responsáveis.

A duração destes quadros é geralmente longa, de vários minutos até horas, não sendo raros os casos que chegam a duram dias. São descritos casos de pacientes que são encontrados pela família depois de alguns dias desaparecidos, há quilômetros de casa, sem que consigam explicar como lá chegaram.

Crises secundariamente generalizadas - Foi dito até agora que nas crises generalizadas há perda imediata da consciência, o que significa que o paciente não se dá conta que teve a crise, e que nas crises focais não há abolição da consciência e o paciente tem sintomas que lhe informam que vai ter a crise - a aura. Há, no entanto, relatos de crises tipo Grande Mal (portanto generalizadas) em que o paciente refere os tais sintomas da aura (portanto focais). Na verdade esse é um tipo particular de crise focal que se generaliza secundaria­mente.

Vamos imaginar que um paciente tenha um foco occipital que lhe provoque sintomas na esfera visual. Quando esse foco entra em atividade (e o paciente refira "visões"), a hiperssincronia pode ser tão intensa que ultrapasse os limites do referido lobo e venha a atingir o centroencéfalo, se irradiando daí de forma imediata para todo o cérebro, o que se expressaria clinicamente sob a forma de uma crise tipo Grande Mal. Diz-se, então, que essa é uma crise focal secundariamente generalizada tipo Grande Mal, mas não o Grande Mal verdadeiro.

QUAL A CAUSA DA EPILEPSIA?

Está claro que qualquer circunstância que provoque danos locais ao cérebro pode se constituir em um foco epiléptico. Assim, desde doenças sistêmicas, como infecções e intoxicações (eclâmpsia, por exemplo), enfermidades que levem a uma diminuição do aporte sanguíneo ao cérebro (descompensações cardíacas, por exemplo), até lesões a própria substância cerebral (traumatismos, tumores) podem se constituir em agente etiológico.

No exame do paciente é, portanto, importante que se tenha informações sobre traumatismos de parto, ou outros traumatismos como quedas, acidentes, lesões. Principalmente quando as crises começam na vida adulta é fundamental se pesquisar agentes desse tipo, porque quando tal acontece é quase sempre indicativo de que danos neuronais sérios estão ocorrendo e o caso passa a ser prioritariamente neurológico.

No entanto, estatisticamente a maior incidência de epilepsia é do tipo generalizada e essas são de causa desconhecida. São as chamadas epilepsias idiopáticas ou essenciais. Vários estudos apontam para a herança como um forte fator predisponente. Estudos iniciais falam de uma concordância em gêmeos monozigóticos de cerca de 86%. Outros mais recentes falam de um taxa de concordância entre pais e filhos de 4,2%, com a ocorrência de 15% de alterações de EEG.[1][1]

QUEM É ESSA PESSOA COM EPILEPSIA

Apesar dos autores clássicos falarem de uma personalidade pré-epiléptica (o tipo gliscróide de Kretschmer), parece que essas características não são muito diferente da população geral. No entanto, parece certo que, uma vez iniciado a ocorrência de crises, a personalidade de alguns indivíduos sofre modificações, que se tornam mais marcadas a medida em que novas crises se sucedam.

Pacientes epilépticos que já sofreram várias crises são, geralmente, pessoas que apresentam alterações em sua função intelectiva: o pensamento torna-se prolixo e perseverante, a memória de evocação torna-se falha. De uma maneira geral são pessoas prestativas e formais, mas facilmente irritá­veis. Essa irritabilidade algumas vezes se manifestam sob a forma de reações em curto-circuito, com uma explosão súbita de agressividade, da qual muitas vezes nem se dão conta ou se arrependem profundamente.

Por outro lado alguns autores negam a existência de tais características, trazendo inclusive exemplos de epilépticos famosos como Machado de Assis, Flaubert e Dostoiewski, cuja produção intelectual falam contra a presença de alterações justamente nesta esfera. Há quem considere as alterações do caráter do epiléptico como simples atitudes reacionais às discriminações que sofrem.

PROGNÓSTICO E TRATAMENTO

Com a evolução dos meios diagnóstico, como o Eletroencefalograma e a possibilidade de detectação e tratamento precoce dos casos, a epilepsia hoje é uma enfermidade perfeitamente controlável. Clinica­mente o paciente pode ficar livre das crises por toda a sua vida, tendo no entanto de se manter em tratamento. Hoje, o grande problema das pessoas portadoras de epilepsia é muito mais social do que médico. A questão do estigma está presente de forma muito marcada e pode se tornar uma questão emocional séria, principalmente quando se sabe que o início das crises está geralmente na infância ou adolescência. Por outro lado algumas limitações na vida do paciente podem ser vivenciadas de forma dolorosa. Ele, por exemplo, vai ter que fazer uso de medicações por períodos muito grande de tempo (quando não por toda a vida), vai ter que evitar o uso de bebidas alcoólicas (em função da medicação) e evitar a fadiga física. Estas restrições, apesar de pequenas quando se com­para a outros tipos de enfermidades, podem fazer o paciente precisar de um apoio psicoterápico concomitante ao acompanha­mento médico.

Dessa forma o prognóstico dos casos de epilepsia controlados é muito bom. Quando se trata, entretanto, de casos em que o controle medicamentoso não foi possível e o paciente continua a ter crises, há a perspectiva de que se desenvolva um quadro de demência epiléptica e o prognóstico se torna muito reservado.

COMO DIFERENCIAR DE OUTROS TRANSTORNOS

Uma grande dificuldade pode ser a diferenciação entre a epilepsia tipo Grande Mal e o grande ataque histérico, onde a expressividade somática do neurótico faz simular, as vezes com perfeição, uma crise epiléptica. É preciso, então, atentar para alguns aspectos: a) a duração da crise histérica é geralmente muito maior que os poucos segundos da crise epiléptica; b) na histeria não há perda da consciência e, mesmo quando o paciente diz não se lembrar de nada, uma entrevista acurada vai descobrir que ele, por exemplo, "ouvia as pessoas falando muito longe..."; c) o ataque histérico não segue a seqüência de fase tônica seguida de fase clônica, típica do Grande Mal; d) os ataques histéricos são geralmente desencadeados por causa emocional, o que não necessariamente (ainda que seja possível) ocorre na epilepsia.


[1][1] - Dados recolhidos de: MAYER-GROSS,SLATER & GROSS - Clinical Psychiatry - Bailliere, Tindall & Cassell, London, 1970. Pag. 454


Uma ótima semana à todos!!!

Nenhum comentário: