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quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Educação Brasileira Contemporânea: Desafios do Ensino Básico.


EDUCAÇÃO BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
Desafios do Ensino Básico


Os historiadores costumam dividir em três períodos distintos a história da
educação brasileira:
1º) do descobrimento até 1930: período em que predominou a educação
tradicional, centrada no adulto e na autoridade do educador, marcadamente religiosa, e o ensino privado;
2º) de 1930 a 1964: depois de uma fase de confronto entre o ensino privado e o ensino público, predominam as idéias liberais na educação com o surgimento da "escola nova", centrada na criança e nos métodos renovados, por oposição à educação tradicional.
3º) o período pós-64, iniciado por uma longa fase de educação autoritária dos
governos militares, em que predomina o tecnicismo educacional. Depois de 1985, tem início uma transição que dura até hoje, revelando o enorme atraso em que o país se encontra em matéria de educação para todos.
No período populista (1930-1964), o Estado era permeável à certas
reinvindicações da população por conta dos compromissos eleitorais do sistema de representação. Já o período pós-64, foi marcado pelo distanciamento entre Estado e Sociedade, com o fim das eleições, o fechamento do Congresso Nacional, não favorecendo o desenvolvimento educacional.
A partir de 1985 com a democratização do país, esperava-se maior avanço na
solução do atraso educacional. Mas isso não ocorreu. A Constituinte convocada no ano seguinte e instalada em 1987, conseguiu reunir a contribuição da maioria dos setores organizados da sociedade, quer públicos, quer privados, para debaterem os problemas educacionais e encaminharem os princípios básicos de um novo plano de educação para o país, que pudesse por fim ao analfabetismo e universalizar o ensino fundamental. Esses princípios estão na Constituição promulgada dia 5 de outubro de 1988, mas ainda não foram traduzidos na prática. A nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases), em tramitação no Congresso desde 1989, deverá complementar os princípios estabelecidos na Constituição de 1988.

1. Marcos da história da educação brasileira
Em 1549 os jesuitas - ordem religiosa católica chamada Companhia de Jesus,
fundada por Inácio de Loyola, em 1534 - chegaram ao Brasil e permaneceram até 1759, comandando a educação, baseados nos métodos e conteúdos da Ratio Studiorum, inspirada na escolástica.

(*) Moacir Gadotti (1941), filósofo e pedagogo, Diretor do Instituto Paulo Freire, em São Paulo (Brasil), é professor na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo onde ensina Filosofia da educação e História das idéias pedagógicas. Publicou várias obras, entre elas: Pensamento pedagógico brasileiro, História das idéias pedagogicas e Pedagogia da práxis.

Da cidade de Salvador, hoje capital do Estado da Bahia, onde chegaram, os
jesuítas se espalharam rapidamente pelas várias regiões do Brasil, primeiro para o sul e depois para o norte.
O Marquês de Pombal, Primeiro-ministro de Portugal (1750-1777), defendendo
idéias do despotismo esclarecido, empreendeu reformas no campo educacional com uma incipiente luta pela escola pública. Em 1759, os jesuitas foram expulsos do reino português, inclusive do Brasil, sob a alegação de obscurantismo cultural e envolvimento político. Quando os jesuitas foram expulsos, mantinham no Brasil 36 missões, 25 residências, 18 estabelecimentos de ensino secundário, localizados nos pontos mais importantes do país. A partir de 1808, com a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil, fugindo da invasão napoleônica, a preocupação educacional da monarquia portuguesa restringiusse à formação das elites governantes e dos quadros militares. As principais medidas tomadas pelo governo nessa época foram: a criação do curso de Cirurgia e Anatomia (1808), a criação da Academia Real da Marinha (1808), a criação da Biblioteca Pública (1810), a criação de cursos técnicos e de ensino de artes com a contratação de artistas
franceses.
Em 1820 a burguesia lusitana assumiu o controle político de Portugal, obrigando D. João VI a embarcar para Portugal (26 de abril de 1821). Depois da Independência (1822), foram criadas, em 1827, duas faculdades de Direito, uma em São Paulo e outra em Recife, onde se formavam as elites para ocuparem os principais cargos na administração pública, na política, no jornalismo, e na advocacia. Pela Constituição do Império, decretada em 1824, competia às Assembléias Legislativas das províncias (hoje, Estados), o direito de legislar sobre instrução pública. Apesar da Constituição do Império defender o princípio da instrução primária gratuita para todos os cidadãos, o ensino fundamental permaneceu no completo abandono, de tal forma que ao final do Império, o país tinha cerca de 14 milhões de habitantes, dos quais 85% eram analfabetos.
O país tomou conhecimento do atraso educacional com os pareceres do jurista
Rui Barbosa em 1882, comparando o nosso desempenho com o dos paises da Europa e da América do Norte. A Primeira República (1889-1930) foi o período no qual colocou-se em questão o modelo educacional herdado do Império. Em 1890 o governo provisório republicano criou o Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, inspirado nas idéias positivistas de Augusto Comte, defendidas por Benjamim Constant. Mas, dois anos depois, esse Ministério foi extinto, passando os assuntos educacionais para o Ministério da Justiça e Negócios Interiores.
A Constituição republicana de 1891 instituiu a laicidade do ensino ministrado
nos estabelecimentos públicos. Nos primeiros 20 anos desse século, inspirados nos ideais liberais, na crença do poder da educação, considerando a "ignorância do povo" como a causa de todas as crises do país, os sucessivos governos criaram numerosas Escolas Normais de formação de professoras primárias. Nesse período surgiu o movimento cívico-patriótico, associado ao nome de Olavo Bilac, que postulava o combate ao analfabetismo. Nesse contexto foi criada em 1924 a ABE (Associação Brasileira de Educação)
que reunia conhecidos nomes de educadores brasileiros, como Fernando de Azevedo e Paschoal Lemme. Essa entidade impulsionou o movimento renovador da educação, que culminou com o "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova" (1932) em favor do segundo ensino fundamental público, laico, gratuito e obrigatório. A Constituição de 1934 consagrou essas idéias num capítulo específico sobre a educação. Esse período é também marcado por numerosas reformas educacionais que procuravam estabelecer a estrutura e o funcionamento do ensino básico e superior: a Reforma Benjamin Constant (1890), a Reforma Epitácio Pessoas (1901), a Reforma Rivadávia Correia (1911), a Reforma Carlos Maximiliano (1915) e a Reformia João Luís Alves (1925). Os Estados também realizaram várias reformas, destacando-se a de
Sampaio Dória, em São Paulo (1920), a de Lourenço Filho, no Ceará (1923), a de Anísio Teixeira, na Bahia (1925), a de Francisco Campos, em Minas Gerais (1927) e a de Fernando de Azevedo, no Distrito Federal (1928). Essas Reformas, associadas à criação da ABE e ao inquérito sobre a educação promovido pelo jornal "O Estado de S. Paulo", em 1926, e dirigido por Fernando de Azevedo, contribuiram não só para o debate teórico das questões da educação mas também para o desenvolvimento concreto desse setor.
A Revolução de 1930 produziu importantes transformações no campo
educacional, destacando-se a criação, no mesmo ano, do Ministério da Educação e a elaboração do capítulo da educação na Constituição de 1934. O primeiro ministro da Educação, Francisco Campos, criou o Estatuto das Universidades Brasileiras (Reforma Campos, 1930). Nesta época foi criada a Universidade de São Paulo (1934).
A Constituição de 1937 introduz o ensino profissionalizante. Seguem-se as Leis
Orgânicas de Ensino secundário (1942). O período de 1930 a 1945 foi marcado pela evolução do ensino oficial e pela estagnação do ensino particular no que se refere à instrução primária.
A Constituição de 1946 estabeleceu o princípio de que, anualmente, a União
deveria aplicar nunca menos de dez por cento, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, nunca menos de vinte por cento da renda resultante dos impostos, na manutenção e desenvolvimento do ensino. Ela também fixava a necessidade de elaboração de novas leis e diretrizes para o ensino. Em 1948 o Ministro da Educação, Clemente Mariani, encaminha o primeiro Projeto de lei das diretrizes e bases da educação nacional (LDB) que só seria sancionado em 196l, depois de longa gestação em que predominaram os debates entre duas tendências: a dos defensores do ensino público e a dos defensores do ensino privado. A LDB de 1961 acabaria conciliando essas duas posições num texto ambíguo.
No período de redemocratização da vida nacional, que vai de 1946 a 1964,
desenvolveram-se vários movimentos populares em defesa da educação que motivaram sucessivas campanhas: a Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário, a de Erradicação do Analfabetismo, a de Educação de Adultos, a de Educação Rural, a de Educação do Surdo, a de Reabilitação dos Deficientes Visuais, a de Merenda Escolar e a de Material de Ensino. No final da década de 50 e início da década de 60 o debate educacional intensificou-se. O sucesso alcançado pela aplicação do "método Paulo Freire" despertou a atenção do presidente João Goulart (1963) que tentou expandi-lo para todo o território nacional. O golpe militar de 1964 interrompeu esse ambicioso projeto e o seu autor foi exilado.
O regime militar notabilizou-se no campo educacional por duas reformas: a do
ensino superior (1968) e a do ensino básico (1971). que passaria a chamar-se de 1°. e de 2°. graus, consagrando a tendência tecnicista e burocrática na educação, principalmente, da educação pública. O regime militar decidiu reintroduzir a Educação Moral e Cívida como disciplina obrigatória em todos os graus e níveis de ensino, inclusive na pós- 3 graduação. A UNE (União Nacional dos Estudantes), acusada de atividades "subversivas", foi substituida pelo Diretório Nacional dos Estudantes. Em 1969, o Decreto-Lei no. 477 atingia o direito de organização de professores, alunos e funcionários, considerados "movimentos subversivos". Foram os anos do "milagre econômico" e do "desânimo educacional". O governo criou em 1967 o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), que começou a funcionar em 1970, para acabar com o analfabetismo em dez anos. Na época da criação do MOBRAL o índice oficial de analfabetos existentes no Brasil era de 32,05%. Em 1980, o censo do IBGE registrava ainda uma alta taxa de analfabetismo: 25,5% entre pessoas de 14 ou mais anos de idade.
Com o fim do regime militar (1985) pode-se respirar mais o odor da liberdade
política, mas a situação econômica deteriorou-se ainda mais para a maioria da população. Para grande parte dos educadores brasileiros hoje, a década de 80 é considerada uma década perdida. Apesar da relativa expansão das oportunidades educacionais, no período citado, e da reorganização dos trabalhadores em educação, a qualidade de ensino deteriorou-se profundamente e os índices de evasão e sobretudo de repetência, tornaram-se alarmantes. Devido à evasão e à repetência, apenas 44% dos alunos terminam as oito séries do ensino fundamental e para isso são necessários 11,4 anos em
média para concluí-los e apenas 3% concluem a oitava série sem nenhuma repetência; 65% dos alunos terminam só a quinta série.
Os anos 90 iniciaram com algumas esperanças, mas, até agora (1995), todos os planos de enfrentamento do desafio educacional brasileiro - e foram muitos - ficaram no papel.

2. O sistema educacional brasileiro
Pela Constituição de 1988, a educação é um direito de todos, dever do Estado e da família. Ela visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, ao seu preparo para o exercício da cidadania e à qualificação para o trabalho. O ensino deve ser ministrado levando em conta a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, a liberdade de aprender, o pluralismo de idéias, a gratuidade do ensino público, a valorização dos profissionais do ensino, a gestão democrática e o padrão de qualidade. O ensino no Brasil é livre à iniciativa privada desde que cumpra as normas gerais da educação nacional estabelecidas em lei.
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, devem organizar seus
sistemas de ensino em "regime de colaboração" (Art. 211 da Constituição). A União organiza e financia o sistema federal de ensino prestando assistência técnica e financeira aos Estados e Municípios, que devem atuar prioritariamente no atendimento à escolaridade obrigatória.
O sistema nacional de ensino compreende os sistemas públicos e outras
instituições públicas ou privadas que prestam serviços educacionais. Seu objetivo é garantir a unidade dos sistemas e o mesmo padrão de qualidade em todo o território nacional. O sistema de ensino dos Estados compreende a rede pública, a rede privada e os órgãos e serviços estaduais de caráter normativo, administrativo e de apoio técnico. O sistema de ensino dos municípios compreende, igualmente, a rede pública, a rede privada e os órgãos e serviços educacionais dentro de sua jurisdição.
Todas as políticas devem convergir para a melhoria da qualidade de ensino das escolas, garantindo-lhes os meios para que elas possam exercer suas funções com autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira.
Nos últimos anos, as escolas públicas vem construindo Conselhos de Escola
(CE) com caráter deliberativo, constituindo-se em órgão normativo e executivo mais importante da gestão escolar, substituindo as antigas APMs (Associações de Pais e Mestres) ou imcorporando-as como Departamento Financeiro do CE. Os alunos também participam do CE. Todavia, em muitas escolas, tanto públicas quanto privadas, eles dispõem de um canal próprio de participação e organização. Do ponto de vista legal existe uma repartição de responsabilidades das diversas esferas do poder público que deveriam atuar articuladamente. Na prática, porém, essa articulação é ainda muito problemática. A administração da educação brasileira abrange órgãos federais, estaduais e municipais:
a) Federal: Ministério da Educação (MEC) e Conselho Nacional de Educação
(CNE), sub- dividido, em 1995, em dois Conselhos: o da Educação Básica e o da Educação Superior;
b) Estadual: Secretaria da Educação (SE) e Conselho Estadual de Educação
(CEE);
c) Municipal: Secretaria ou Departamento de Educação e Conselho Municipal
de Educação (CME).
Os Secretários Estaduais de Educação articulam suas ações políticas e
educacionais através do CONSED (Conselho de Secretários da Educação) e os secretários municipais através da UNDIME (União dos Dirigentes Municipais de Educação).
As Universidades Brasileiras possuem no CRUB (Conselho de Reitores das
Universidades Brasileiras) o seu órgão de representação.
Ao MEC, como parte do Poder Executivo, cabe fazer cumprir as leis do ensino e as determinações do CFE. Ao CFE, órgão normativo da educação nacional, cabe traçar as orientações básicas da educação no país, complementando e regulamentando suas diretrizes e bases.
As Secretarias de Educação dos Estados coordenam em cada Estado a política educacional, com base nas normas estabelecidas pelos CEEs. Os Conselhos Estaduais de Educação exercem as funções normativas do ensino em cada Estado. O órgão municipal da educação organiza a educação em cada Município. A partir da Constituição de 1988, muitos municípios estão organizando, paulatinamente, seus sistemas educacionais, a partir da criação de Conselhos ou Comissões Municipais de Educação. O Município que não aplicar 25% de sua receita tributária no desenvolvimento do ensino fundamental, está sujeito à intervenção do Governo Federal. Os estabelecimentos particulares de ensino fundamental e médio devem
submeter-se à fiscalização e ao controle da administração estadual e os estabelecimentos particulares de educação infantil à fiscalização da administração municipal.

2.1. Financiamento da educação
A União deve aplicar, anualmente, nunca menos de 18%, os Estados e
Municípios o mínimo de 25%, da receita resultante de impostos e transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. Os recursos públicos são destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas. Os programas de alimentação, saúde, transporte, material didático-escolar, devem ser financiados por outros recursos orçamentários. Além da vinculação constitucional da percentagem dos impostos, o ensino público fundamental tem como fonte adicional de financiamento a contribuição social do Salário-Educação (a nova LDB prevê a criação também do Salário-creche). Esses recursos são recolhidos pelas empresas, correspondendo a 2,5% sobre o valor da folha de salários das empresas comerciais e industriais e 0,8% sobre o valor comercial dos produtos rurais, no caso de empresa agrícola, produtor e empregador rural. Apesar de hoje estar investindo um pouco mais em educação, mesmo assim, muito a quem das necessidades, o Brasil, durante o período autoritário, diminuiu muito a percentagem dos investimentos públicos com educação. Em 1972, por exemplo, segundo dados do Banco Mundial (Reducción de los Costos Unitários en los Sistemas Educativos de Latino-América, Centro de Investigación Educativa, Costa Rica, 1974, quadro 6, p. 168), o Brasil foi o país que, proporcionalmente, menos investiu em educação na América Latina. Enquanto países como Costa Rica, México, Panamá, Uruguai, investiam mais de 25% do seu orçamento, o Brasil investiu, em 1972, apenas 6,5%, menos do que o Haiti, que vinha em penúltimo lugar com 11,3%, quase o dobro do Brasil. O Brasil gasta hoje 3,7% do seu PIB (Produto Interno Bruto) com educação, uma média relativamente baixa se comparada à de outros países, como o Canadá (6,2%), Egito (5,2%) ou EUA (5,0%). As instituições privadas desenvolvem suas atividades apoiadas quase que exclusivamente na cobrança de mensalidades, cujo aumento constante tem gerado frequentes protestos, greves e fechamento de escolas.

2.2. Níveis de ensino
A educação escolar brasileira divide-se em dois níveis:
I - Educação básica, que compreende a educação infantil (de 0 a 6 anos), o
ensino fundamental (de 7 a 14 anos) e o ensino médio (de 15 a 17 anos). Os dois últimos, antes da nova LDB chamavam-se de 1o. e 2o. graus;
II - Educação superior.
No início de 1991, um decreto do governo federal estabeleceu em 200 dias a
carga horária mínima anual de trabalho escolar efetivo na educação básica e, no mínimo, quatro horas de aula diárias (a reação foi grande e o decreto foi revogado alguns meses mais tarde). Essa norma está também prevista na nova LDB, aprovada na Comissão de Educação da Câmara em 1990. O assunto é polêmico. Na prática continuam valendo os 180 dias letivos previstos na LDB de 1961. A LDB que esteve em discussão nesses dois últimos anos também estabelece uma adequada relação do número de alunos por professor em sala de aula:
I - creche: 20 crianças;
II - pré-escola e alfabetização: 25 alunos;
III - demais séries e níveis: 35 alunos.
Os currículos do ensino fundamental e médio abrangem obrigatoriamente,
estudo da língua portuguesa, da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e a realidade social e política, especialmente a brasileira. A educação física e artística é também obrigatória. A educação ambiental deve ser considerada na concepcão de todos os conteúdos escolares, sem constituir disciplina específica. A iniciação tecnológica deve começar a partir do ensino fundamental.
O ensino religioso, de matrícula facultativa, por lei, deve constituir disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
A educação infantil deve proporcionar o desenvolvimento físico, psicológico e
intelectual da criança, em complementação à ação da família. A educação infantil pode ser oferecida em creches, para crianças de zero a 3 anos, em pré-escolas, para crianças de 4 a 6 anos. Na nova LDB, os estabelecimentos
integrados de creche e pré-escolas são denominados de "Centros de Educação Infantil".
Em 1990 existiam no Brasil 50.957 unidades de ensino na pré-escola, sendo 11.792 particulares e 39.165 públicas, e um total de 3.740.512 matrículas iniciais. O ensino fundamental objetiva o domínio progressivo da leitura, da escrita e do cálculo, enquanto instrumentos para a compreensão e solução dos problemas humanos e o acesso sistemático aos conhecimentos. Ele deve ser ministrado em língua portuguesa. A partir da 5a. série é obrigatório o ensino de uma língua estrangeira moderna. Em 1990 existiam no Brasil 208.934 unidades de ensino fundamental, sendo 11.512 particulares e 197.422 públicas, e um total de 28.943.619 matrículas iniciais.
O ensino médio objetiva o aprofundamento e a consolidação dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, preparar o aluno para continuar aprendendo, desenvolver o pensamento autônomo e a compreensão dos fundamentos científico tecnológicos dos processos produtivos.
O ensino médio pode ampliar a sua duração e carga horária global para fornecer educação profissional. Por exemplo, o curso de Magistério (antigas Escolas Normais), pode ter 4 anos de duração. A educação profissional pode ser obtida em instituições próprias destinadas especificamente à formação técnico-profissional de nível médio que emitem diplomas de ocupações regulamentadas da indústria, comércio, agricultura e de serviços. São as chamadas "Escolas técnicas". Nessas escolas podem inscrever-se os
egressos do ensino fundamental e médio. Para os jovens e adultos trabalhadores que não tiveram acesso na idade própria ao ensino fundamental, foram criados os Cursos Supletivos, alguns oferecidos sob a forma de ensino à distância. A nova LDB prevê um regime especial de trabalho para trabalhadores-estudantes (redução da jornada em até 2 horas diárias), programas de teleducação no local de trabalho, oferta regular de ensino noturno, organização escolar flexível, conteúdos curriculares centrados na prática social e no trabalho e metodologia de ensino-aprendizagem adequada ao amadurecimento e experiência do aluno. Em 1990 existiam no Brasil 10.160 unidades de ensino médio, sendo 3.926 particualares e 6.234 públicas, atendendo a 3.498.777 matrículas.
O ensino superior, ministrado por instituições públicas (federais, estaduais e
municipais) ou privadas (confessionais ou leigas), realiza-se através do ensino, da pesquisa, cultura e da extensão. Ele objetiva o exercício da reflexão crítica, a participação na produção através de profissão específica, sistematização e avanço do conhecimento teórico e prático.
A educação superior deve oferecer a todo o indivíduo, uma formação comum
indispensável para participar, como cidadão, da vida em sociedade, inclusive os meios para progredir, no trabalho e nos estudos posteriores.
As universidades e outras instituições de ensino superior, cumprindo sua função social, visam contribuir, através da pesquisa e da extensão, para a solução dos problemas sociais, econômicos e políticos, nacionais e regionais, difundindo suas conquistas e resultados.
O ensino superior abrange três modalidades de cursos e programas:
I - cursos de graduação;
II - programas de pós-graduação;
III - programas de pós-doutorado.
A nova LDB prevê a duração de 200 dias letivos anuais para os cursos de
graduação (hoje é de 180 dias).
Para assegurar o princípio constitucional da gestão democrática, as instituições de ensino superior que ainda não haviam criado órgãos colegiados de gestão o estão fazendo, possibilitando a participação de professores, servidores, alunos e a comunidade. Essa norma constitucional não é obrigatória para as instituições privadas. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial.
Em 1988 existiam no Brasil 871 instituições de ensino superior, das quais apenas 233, isto é, 26.75% eram públicas. As demais 638 pertenciam à rede privada. Entre as instituições públicas, 54 eram federais, 87 estaduais e 92 municipais. Dessas instituições de ensino superior dos Municípios, apenas 2 são universidades, as outras são instituições isoladas. Das 871 instituições referidas acima, 84 são universidades. As demais, isto é, 90,47% aproximadamente, são escolas isoladas. Do total de 1.505.360 matrículas no
ensino superior, 918.209 pertencem à rede particular (mais de 61%). As universidades públicas atendem apenas 39% das matrículas.

2.3. Educação especial
Cada vez mais os cientistas da educação e os educadores, recomendam que aos educandos portadores de deficiências, sejam oferecida educação especial preferencialmente na rede regular de ensino, com serviços de apoio especializado, devendo iniciar-se na faixa etária de zero a 6 anos. A educação especial pode ter outras formas de atendimento, como as classes especiais com professor especializado, atendimento através de professor especializado que se desloca de uma escola para outra ou em unidades especializadas. As Secretarias de Estado da Educação informam sobre seus serviços de ensino especial. Além disso, as Associações de Pais de alunos portadores de deficiência (APAEs), tem desenvolvido enormes esforços no atendimento a educação especial. Em 1988 existiam no Brasil 4.091 estabelecimentos de ensino especial e 1206 instituições especializadas, com 87.968 matrículas e 20.555 docentes. A quase totalidade dos estabelecimentos de ensino especial era pública. Apenas 94 pertenciam à rede particular. Por outro lado, no que se refere às instituições especializadas, verifica-se o contrário: sobre 1206, 973 pertencem à rede particular.

2.4. Educação das comunidades indígenas
Desde o encontro da cultura ocidental com as culturas pré-colombianas, os povos e nações indígenas vem sendo sistematicamente exterminados. No Brasil, estima-se que existiam aproximadamente 2 milhões de índios na época da descoberta. Restam hoje menos de 200 mil. A consciência dessa realidade levou os constituintes (1988) a assegurar às comunidades indígenas, entre outros direitos, a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem (art. 210), no sentido de preservar e fortalecer a sua organização social, suas culturas, costumes, crenças e tradições. A nova LDB prevê a criação de programas específicos destinados à educação escolar de comunidades indígenas, desenvolvimento de material didático e calendário escolares diferenciados e adquados às diversas comunidades indígenas.
Existem hoje no Brasil aproximadamente 600 escolas indígenas.

2.5. Educação à distância
Uma das formas de ensino ainda pouco exploradas entre nós, mas de grande
potencialidade hoje, é chamada de educação à distância. A educação à distância possibilita o estudo independente do aluno, a escolha de horários, combinando material didático de auto-instrução com audiência aos meios modernos de comunicação, sem precisar sair de casa.
Pelas suas características próprias, a educação à distância, na educação infantil e no ensino fundamental, desempenham apenas função complementar. Ela é preferencialmente destinada aos jovens e adultos engajados no trabalho produtivo e à terceira idade. A educação à distância tem características de educação continuada. aperfeiçoamento profissional e enriquecimento cultural.

3. Os números do atraso educacional brasileiro
Apesar de ter uma legislação avançada em matéria de educação, apesar do
pensamento pedagógico brasileiro ser, em geral, progressista, o Brasil é um dos países do mundo que têm o menor desempenho no setor.
O analfabetismo é um exemplo disso. O Brasil encontra-se entre os 9 países do mundo com mais de 10 milhões de analfabetos. No meio urbano está o maior número de analfabetos: nove entre dez analfabetos encontram-se na área urbana. São Paulo é a capital brasileira do analfabetismo com mais de um milhão de analfabetos.

3.1. Dados preocupantes
O fenômeno do analfabetismo é associado à evasão escolar e à repetência.
Como efeito colateral temos a distorção série/idade que alimenta o analfabetismo, 68,66% do alunado da 1a. série do ensino fundamental encontra-se em idade fora da faixa etária apropriada. Quando se trata da 5a. série, essa porcentagem se eleva para 80,43%.No ano 2000 seremos aproximadamente 180 milhões de brasileiros. Se nada mudar, na melhor das hipóteses, 14% da população ainda será analfabeta: desses 23 milhões, metade será de adultos. Em setembro de 1990, Ano Internacional da Alfabetização, foi anunciado pelo Governo Federal um ambicioso programa de
alfabetização, o PNAC (Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania). Foi
abandonado no ano seguinte, sem nenhum resultado concreto e sem que a população e os educadores recebessem qualquer explicação. Uma amostra de como são tratados, nesse país, os assuntos educacionais. Em 1994 um outro ambicioso programa foi assumido pelo Governo Federal, Estados e Municípios, o Plano Nacional de Educação Para Todos. O Governo que assumiu em 1995 abandonou esse Plano e iniciou uma nova política educacional cujos resultados não podem, evidentemente, ser ainda sentidos. Os déficits educacionais do país vem se acumulando. O educador Anísio Teixeira, na década de 50 elaborou uma conhecida "pirâmide" para mostrar que a educação no Brasil se constituia num "privilégio", comparando-a com a dos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, 33% do que iniciavam a escola elementar, ingressavam na universidade. No Brasil, apenas 2,3%. O afunilamento da educação no Brasil dava-se sobretudo a partir do ensino chamado na época "ginasial" (hoje 5a. a 8a. série do ensino fundamental), no qual ingressavam apenas 18,1% dos que iniciavam a formação básica.
Fazendo estudos comparativos da relação entre nível de renda e acesso à
educação, facilmente podemos concluir que a educação não se constituir no Brasil, como deveria ser, num instrumento de democratização, mas de manutenção dos privilégios, gerados pela distribuição injusta da renda. Embora as camadas com rendimento mensal familiar inferior a dois salários mínimos representem 44,3% das famílias brasileiras, elas tem uma presença insignificante na populaçào universitária: apenas 3,5%. Dados do UNICEF/IBGE, divulgados em 1990, mostraram que os índices de evasão e de repetência no ensino fundamental cresceram entre 1979 e 1985, respectivamente, 24% e 14%. A taxa de evasão, que era de 10% em 1979, subiu para 12,4%, cinco anos depois.
Em 1989 o Tribunal Superior Eleitoral divulgou uma pesquisa acerca do grau de escolaridade dos 75 milhões de eleitores brasileiros: 68% são analfabetos, semi-analfabetos ou não completaram o primeiro grau. Comparada com a potencialidade econômica do país, o nível da educação básica brasileira está em último lugar no mundo, segundo um relatório divulgado pelo UNICEF no final de 1994: 88% das crianças do país deveriam concluir a 5ª série, mas apenas 39% chegam até lá.

3.2. CIEPs e CIACs
Esses dados falam por si mesmos: revelam que o atraso educacional do Brasil já está pondo em risco o seu próprio desenvolvimento. Esperava-se, na última década do século, de conformidade com a Constituição, que os governos municipais, estaduais e o governo federal, solidariamente, tomassem medidas enérgicas e apresentassem políticas sociais coerentes com essa realidade que nos aproxima mais do quarto do que do primeiro mundo. Mas as perspectivas não são animadoras, se analisarmos os acontecimentos mais recentes.
O ano de 1991 foi marcado pelo total abandono da educação, em oposição ao
discurso oficial do ano anterior que prometia, segundo as palavras do Presidente da República, uma "revolução na educação". Nada disso aconteceu. Pelo contrário, o grande projeto anunciado em 1990 de erradicar o analfabetismo, o PNAC (Plano Nacional de Alfabetização e Cidadania), foi esquecido. No setor privado, as mensalidades ficaram totalmente descontroladas. Diante da expectativa desenfreada da inflação - que durou até 1994 - algumas escolas chegaram a anunciar aumentos de até 500%. Muitos pais, que tinham seus filhos na escola privada procuraram a escola pública em 1992. Desde o Plano Color 1, em março de 1990, as regras para o cálculo e reajuste dos preços escolares foram mudadas 8 vezes, congeladas ou negociadas entre pais e proprietários de escolas. Como as regras não eram sempre claras - em relação, por exemplo, se o assunto era competência do MEC ou do Ministério da Economia – os sindicados das mantenedoras das escolas, desobedeceram várias vezes à orientação estabelecida pelos Conselhos Estaduais de Educação. A polêmica das mensalidades escolares, além de ter desagradado a todos, pais e alunos, professores e empresários de educação, conseguiu unir o setor empresarial da educação com as escolas confessionais, consolidando o setor privado da educação. Na primeira metade da década de 90 dois polêmicos projetos educacionais, com a mesma concepção básica, tiveram especial importância, pois foram implantados como
estratégia político-educacional de vários governos estaduais e do governo federal: os CIEPs e os CIACs. Os CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública), foram criados na primeira gestão do Governador Leonel Brizola, no Estado do Rio de Janeiro (1983-1987), com o fim de oferecer educação integral à criança. Trata-se de complexos escolares que incluem gabinete médico e odontológico, bibliotecas, quadras de esporte, refeitório, etc. O projeto é do arquiteto Oscar Niemeyer. A proposta pedagógica dos CIEPs, elaborada por Darcy Ribeiro, inclui a não-reprovação. A reprovação sistemática no ensino público é considerada elitista. As provas anuais estão sendo substituidas por outras formas de avaliação. Ao invés de provas, os alunos são avaliados por objetivos. Os objetivos que não forem alcançados pelos alunos num ano, continuarão sendo trabalhados pelo professor no ano seguinte, sem reprovação. Esse sistema também é adotado na França.
Os CIACs (Centros Integrados de Apoio à Criança), com aproximadamente
4.000 m2 de área construída, inspiram-se no modelo dos CIEPs, tem aproximadamente o mesmo custo (US$ 1 milhão) por unidade e atentem aproximadamente o mesmo número de crianças (750 a 1000). O primeiro CIAC foi inaugurado em novembro de 1991 na Vila Paranoá, na periferia de Brasília. Segundo o governo, os CIACs estavam nascendo para fazer valer os direitos expressos pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Não são apenas escolas, mas centros de atenção integral à criança, englobando, num mesmo espaço, educação escolar, saúde, cultura, esporte, creche, educação para o trabalho, proteção especial à criança e desenvolvimento comunitário. O custo-aluno do CIEP é o triplo do de uma escola convencional. Nos dois projetos - CIEPs e CIACs - o aluno é estimulado, através de atividades esportivas ou assistidas, a permanecer na escola em tempo integral para garantir melhor desempenho. Se não houvesse nos CIEPs uma nova sistemática de avaliação, a taxa de reprovação dos alunos dos atuais CIEPs seria a mesma da escola convencional. O governo Collor prometeu construir 5000 CIACs em convênio com Estados e Municípios, até o final do seu mandato (1994), mas foi deposto em processo de impeachment, por crime de responsabilidade, em dezembro de 1992. O projeto dos CIACs foi criticado por muitos educadores que o consideraram apenas um projeto "promocional" e não pedagógico, acreditando que a distribuição dessas cinco mil novas escolas, pelos Estados e municípios, obedeceria apenas a interesses políticos. No início de 1995 as construções de novos CIACs foram interrompidas. Há menos de 200 dessas escolas em funcionamento. Para os promotores - tanto dos CIEPs, quanto dos CIACs - esses projetos representariam uma verdadeira revolução no ensino, introduzindo um novo conceito de educação que já está sendo "exportado" para outros paises. O projeto dos CIEPs, apesar das críticas, continua sendo defendido pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), comandado politicamente Leonel Brizola e, na educação, pelo Senador Darcy Ribeiro. Apesar da polêmica que estão gerando, esses projetos, são raros exemplos das poucas alternativas surgidas, no plano concreto, nesses últimos anos.

3.3. O Estatuto da Criança e do Adolescente
No plano institucional uma boa conquista foi a aprovação, em 1990, do Estatuto da Criança e do Adolescente, resultado de uma longa luta de numerosos setores, públicos e privados, em favor de uma ação concreta pela criança brasileira. Quando os setores públicos e privados se unem num esforço comum, os resultados positivos aparecem. Com certeza, o dualismo do sistema educacional brasileiro - público versus privado - e o antagonismo que se criou entre eles, associado ao descaso histórico dos nossos governos, é uma das grandes causas do nosso atraso educacional. Não faltaram debates, nos últimos anos, sobre o tema da criança e do adolescente "abandonados" - meninos e meninas de rua - envolvendo unindo setores públicos e entidades não-governamentais. Entre as medidas concretas resultantes desse engajamento da sociedade, estão surgindo os Fundos e Foruns dos Direitos da Criança e do Adolescente e os Conselhos Tutelares encarregados de zelar pelo cumprimento desses direitos que, pela Constituição (art.227), a sociedade e o Estado devem assegurar à criança e ao adolescente, com "absoluta prioridade": direito à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Segundo dados do UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e do
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Brasil tem aproximadamente 58 milhões de crianças e adolescentes na faixa de 0 a 17 anos, representando 41% da população total. Mais da metade dessas crianças e adolescentes, vive em famílias com rendimento de até 1/2 salário mínimo. Para o UNICEF, existem no Brasil: 25 milhões em situação de risco; 15 milhões sofrendo de desnutrição; 12 milhões abandonados ou órfãos desassistidos; 10 milhões obrigados ao trabalho precoce; 9 milhões em idade escolar sem acesso à escola; 7 milhões portadores de deficiência (física, sensorial ou
mental), sem atendimento especializado; centenas de milhares confinados em internatos e prisões, em condições desumanas (o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a desinstitucionalização, portanto, a desativação dos internatos); dezenas de milhares presos irregularmente, vítimas de maus-tratos e degradações de todo o tipo; vários milhares mutilados por acidentes de trabalho e vários milhares mortos anualmente na violência das grandes cidades. Diante desse quadro aterrador, nos últimos anos foram tomadas algumas medidas que resultaram num avanço considerável. O agravamento atual da crise econômica, contudo, deverá ter sérias conseqüências para essas crianças e adolescentes. Já ficou demonstrado pelo DIEESE (Departamento Inter-sindical de Estatística e Estudos Sócio- Econômicos) que existe um correlação entre salários e mortalidade infantil: quando baixa o poder aquisitivo dos trabalhadores, eleva-se a taxa de mortalidade infantil. A corda arrebenta no lugar mais fraco. Embora esteja decrescendo a taxa de mortalidade de crianças com menos de 1 ano e crescendo a taxa de escolarização, a precariedade das condições de vida no Brasil e, principalmente, dos domicílios, ainda é alarmante. O Estatuto da Criança e do Adolescente representa para todos esses brasileiros, uma grande esperança.

3.4. A nova LDB
Até setembro de 1995, data em que estamos escrevendo este artigo, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB) continuava no Congresso, agora, no Senado, que aprovou um novo texto, de autoria do Senador Darcy Ribeiro, o qual, ao contrário do texto da Câmara dos Deputados, não foi discutido com a sociedade. Tramitam, portanto, dois projetos de lei. O projeto da Câmara foi debatido durante meia década por praticamente todos os que lidam com educação no país. Mas, nesse esforço de negociação, acabou incorporando interesses corporativos de forma semelhante à Constituição de 1988, como a indicação dos membros do Conselho Nacional de Educação por entidades de professores e estudantes. Já o projeto de Darcy Ribeiro, um texto mais breve, foi elaborado por ele mesmo e por alguns técnicos do Ministério da Educação. Com o intúito de eliminar esses interesses, também suprime certas conquistas, como o plano de carreira do magistério e combate a autonomia financeira e patrimonial de instituições públicas de ensino. O processo de discussão da LDB teve início ainda durante a elaboração do capítulo da educação na Constituição. Com a promulgação da Constituição em 1988 os debates em torno de uma nova Lei de Diretrizes e Bases se intensificaram. Foram três anos
de trabalhos e negociações que envolveram os partidos, foruns de entidades científicas, sindicatos, centrais sindicais, entidades profissionais e numerosos educadores. Esse processo não está sendo respeitado mesmo sob protestos de eminentes educadores e ex-constituintes que participaram da elaboração da LDB como o sociólogo Florestan Fernandes, felecido em agosto de 1995.
A LDB abrange todos os níveis de ensino, da pré-escola à pós-graduação, do
ensino público e privado à educação especial e dos grupos étnico-culturais minoritários. Por isso é chamada de "Constituição da Educação". Ainda em 1988, o Deputado Octátio Elísio, apresentou o primeiro Projeto de Lei de LDB. Seguiram-se onze Projetos de vários deputados. Ao mesmo tempo, a Comissão de Educação, Cultura, Esporte e Turismo da Câmara dos Deputados iniciou um exaustivo processo de consultas. Várias entidades trouxeram novas propostas completas de LDB.
Em agosto de 1989 estava pronto o 1º Substitutivo da LDB apresentado pelo
relator da Comissão de Educação, deputado Jorge Hage, incorporando inúmeras idéias dos projetos anteriormente apresentados. Começou, então, a longa tramitação no Congresso. Em 1991 ele recebeu nada menos do que 1.200 emendas que as várias comissões técnicas do Congresso compatibilizaram num texto de consenso, aprovado pela Câmara em 1993 e encaminhado ao exame do Senado. Este está agora com duas propostas de LDB das quais deverá encaminhar uma para a Câmara aprovar ou rejeitar
sem direito à emendas. Se a Câmara aprovar o texto enviado pelo Senado, o Presidente poderá homologar a nova LDB vetando os artigos que julgar conveniente. Mas cocntinua o impasse criado com a proposta alternativa de Darcy Ribeiro.

4. Desafios educacionais da atualidade brasileira
Como em todas as partes do mundo, as transformações político-econômicas
ocorridas no final da década de 80, em particular no Leste Europeu, tiveram profundas repercussões na América Latina. Todavia, nós tínhamos, no Brasil, um problema particular, o gigantismo da inflação que nos últimos anos era de 30% ao mês em média. Vários planos foram experimentados até que o último, lançado pelo Ministro da Economia, Fernando Henrique Cardoso, em 1994 - seguindo as receitas do Fundo Monetário Internacional - teve êxito (até agora) e levou o seu autor para a Presidência da República no ano seguinte.

4.1. Realidade sócio-política brasileira de hoje
O sucesso da estabilização econômica - hoje a inflação está em torno de 2% ao mês - levou alguns intelectuais e muitos políticos a considerar as políticas neoliberais como a grande panacéia capaz de solucionar todos os males econômicos e sociais do país. Contudo, é de se temer que aconteça com o Brasil o que vem acontecendo com outros países da América Latina que adotaram as mesmas políticas:
a) a Bolívia - que seguiu a receita do FMI desde 1985 e vem aplicando um plano de estabilização rigidamente ortodoxo - acabou estagnando e arruinando a sua economia, com elevadas taxas de desemprego. Uma única empresa, a COMIBOL (Corporação Mineira da Bolívia) acabou demitindo 23 mil dos seus 28 mil trabalhadores;
b) na Venezuela, em 1989, o populista Carlos Andrés Pérez adotou políticas
neoliberais ortodoxas e enfrentou uma revolta popular onde 300 pessoas morreram, uma semana depois de sua posse na Presidência da República;
c) no mesmo ano, no Peru, elegeu-se Alberto Fujimori, com uma plataforma
neoliberal e o número de pobres pulou de 8 para 12 milhões em uma população total de 23 milhões.
d) na Argentina e no México a estabilização está sendo ameaçada também pelo desemprego e pelos baixos salários.
Todos esses países vivem hoje sob fortes tensões sociais provocados pelo
aumento da miséria. A conclusão é evidente: o ajuste estrutural neoliberal resolve o problema da inflação e, em alguns casos, como no caso do Perú, promove o crescimento econômico. Mas não resolve - ao contrário agrava - a situação dos trabalhadores. O neoliberalismo não apresenta respostas para a questão social. Por isso, o governo Fernando Henrique Cardoso está devendo ainda hoje uma política social consistente. Temos hoje um bom desempenho da economia convivendo com grandes disparidades regionais e com indicadores sociais baixíssimos. Infelizmente se aplica ainda hoje a conhecida frase do general Ernesto Geisel quando era presidente, no início dos anos 80: "o Brasil vai bem, mas o brasileiros vão mal". Toda essa modernização da economia não concebe os seres humanos como sujeitos, como cidadãos ativos, mas como objetos econômicos, como puros consumidores.

4.2. Desafios educacionais do ensino básico
As primeiras proclamações do governo FHC sobre a autonomia e o fortalecimento da unidade escolar - inclusive com a descentralização dos recursos financeiros - a criação de um currículo básico nacional e a ênfase na educação à distância, foram recebidas com simpatia. Mas, depois dessas proclamações não se seguiram os respectivos planos. Em vez disso, na educação, os primeiros cem dias do governo foram marcados por muito marketing que levou o presidente à dar aulas em várias escolas públicas do país. Mas, seguindo o que ocorre em todas as áreas sociais, não foi ainda apresentada uma política consistente para o setor. Ao contrário, o governo vem rompendo com os vínculos criados no governo anterior entre Estado e Sociedade Civil na educação. A CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) havia chegado a um Pacto com o governo no quadro do Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003), sobre três pontos, os quais considero como os grandes desafios educativos do Brasil:
a) a necessidade da implantação, de fato, em todo o território, de um currículo
básico nacional;
b) um piso salarial nacional de, pelo menos, 300 dólares (a média nacional hoje é de 100 dólares);
c) uma definição clara do que cabe à cada esfera de governo. Hoje, as três esferas de governo - União, Estados e Municipalidades - se ocupam da educação básica e não trabalham articuladamente.
Em vez disso, o governo optou por uma perigosa descontinuidade administrativa. Se não corrigir esse erro de avaliação, no setor educacional, ele deverá enfrentar enormes resistências - sobretudo dos educadores - como ocorreu recentemente na Bolívia. Graças a grandes mobilizações populares em torno do direito à educação, hoje, o acesso à educação básica está garantido para a maioria da população, mas não a qualidade. Persiste ainda uma cultura da repetência em nossas escolas: de cada 100 crianças que entram na 1ª série, apenas 4 terminam a 8ª série sem nenhuma reprovação. Face a esses desafios, o governo federal respondeu, em 1995, que gostaria de fazer poucas coisas, mas bem feitas, e que não daria nenhuma ênfase a ações diretas, pois
os executores seriam os Estados e os Municípios. O MEC deve ser considerado como um órgão gerador de políticas para facilitar o trabalho de Estados e Municípios. Para isso apresentou as seguintes ações:
a) "Campanha de mobilização: Educação, Prioridade Nacional", com o objetivo
de transformar a educação e a valorização do professor em um tema fundamental da agenda nacional;
b) "Implantação de parâmetros curriculares básicos". A definição desses
parâmetros deverá subsdidiar a política do livro didático, o sistema de avaliação e os projetos de educação à distância.
c) "Programa de descentralização de recursos" que se iniciará com o repasse de recursos diretamente para as escolas.
d) "Programa do livro didático" com a descentralização progressiva quanto à
aquisição e, quanto à escola, com a elaboração de um "Guia nacional de avaliação do livro didático".
Reunido com todos os governadores dos Estados no início de setembro de 1995, o presidente Fernando Henrique Cardoso lançou o projeto de um "Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Professor" para o qual contribuiriam a União, os Estados e os Municípios com a meta de investir R$ 12 bilhões com o primeiro grau por ano. A proposta é de se vincular por lei 60% do que Estados e Municípios gastam obrigatoriamente pela Constituição em todos os níveis de ensino. Para 1995, os gastos obrigatórios são de R$ 17,83 bilhões. Pelo menos a metade desse fundo teria que ser gasto com os salários dso professores. O objetivo desse fundo é que em todo o país não se gaste menos de R$ 300 por aluno/ano do ensino fundamental e que este também seja o valor mínimo pago mensalmente para o professor por 24 horas semanais de trabalho. Esse investimento é 39,5% maior que o mínimo recomendado pela CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), órgão das Nações Unidas, que é de US$ 215.
Como a sociedade e principalmente as organizações de pais e de educadores não foram consultados e já viram planos semelhantes no passado - que não saíram do papel - eles ficam agora na expectativa de uma ação mais concreta para além da proclamação das boas intenções. Eles receberam mais essa iniciativa com desconfiança, reconhecendo que ainda é uma medida muito tímida diante do enorme desafio que representa a educação básica brasileira.

4.3. A inovação educacional na base da sociedade
A esperança de uma educação de melhor qualidade está novamente nas mãos da sociedade. Há uma sociedade civil emergente, sobretudo em nível municipal, onde estão se realizando as melhores inovações educacionais.
Essas inovações não se restringem a esta ou àquela perspectiva política. Trata-se de um movimento que perpassa partidos, sindicatos, movimentos sociais e que envolve a administração pública, a empresa privada, pessoas e grupos, preocupados com a melhoria do ensino, em diversas regiões do país. Embora desarticuladas, essas inovações apontam para uma nova tendência na educação, marcada pela presença mais ativa da sociedade civil. Muitas são as lições que podem ser tiradas dessas inovações e experiências. Eles apontam para todo um novo projeto educacional que supera, sobretudo, dois problemas que se encontram na base da crise do nosso ensino:
a) a dicotomia entre o ensino público e o ensino privado e
b) a centralização e a burocratização do sistema de ensino.
O antagonismo criado entre escola pública e escola privada, desde os primórdios da educação no Brasil, tem gerado sistematicamente má qualidade para a educação tanto no ensino público quanto no ensino privado.
O segundo problema atacado por essas inovações é a centralização e a
burocratização com o séqüito de seus numerosos e pesados órgãos intermediários. A cabeça do sistema - modelo dos sistemas nacionais do século passado - está inchada e sustentada por pés de barro. O caminho da eficiência e da qualidade passa por uma descentralização radical. Essas inovações, conseguiram, de um lado, desmistificar os sonhos do pedagogismo dos anos 60, que considerava a educação como a alavanca da transformação social e, de outro lado, conseguiram superar o pessimismo dos anos 70, quando se dizia que a escola era puramente reprodutora da sociedade. Nisso elas apontam também para um novo paradigma na educação.

4.4. Formar para a cidadania ativa
Hoje, depois de mais de cem anos de sua criação, os sistemas educacionais,
encontram-se, em diversas partes do mundo, num contexto de explosão descentralizadora. Numa época em que o pluralismo político torna-se um valor universal, assistimos de um lado, à crescente globalização da economia e das comunicações e, de outro, à emergência do poder local, que desponta nos sistemas educacionais com uma força inédita na história da educação. Nos últimos anos o tema da autonomia da escola aparece com mais freqüência nos debates pedagógicos e nas reformas educacionais. Esse tema vem associado ao tema da participação e da autogestão que predominou nos debates educacionais das duas últimas décadas. O princípio de que a educação é dever do Estado, não implica no imobilismo da população e de cada indivíduo: a educação é também dever de todos, pais, alunos, comunidade. Com essa mobilização da população em defesa do ensino público, é possível pressionar ainda mais o Estado para que cumpra o seu dever de garantir a educação pública, gratuita e de bom nível para toda a população. Uma população acostumada a receber um bom serviço se mobilizará para continuar a tê-lo. É nesse contexto que surgem projetos como o Projeto da escola cidadã do Instituto Paulo Freire, cujos princípios estão sendo adotados em algumas municipalidades e que visa:
a) formar para a cidadania ativa. A escola pode incorporar milhões de
brasileiros à cidadania e deve aprofundar a participação da sociedade civil organizada nas instâncias de poder institucional;
b) formar para o desenvolvimento. A educação é condição sine qua non para o desenvolvimento auto-sustentado do país. A educação básica é um bem muito precioso e de maior valor para o desenvolvimento, do que as suas riquezas naturais, inclusive de maior valor do que o próprio domínio da tecnologia. Não mudamos a história sem o conhecimento, mas temos que educar o conhecimento e as pessoas para se tornarem sujeitos da sua história e intervirem no mercado como sujeitos e não como povo sujeitado, massa de manobra da lógica interna da razão econômica. O mercado precisa estar submetido à cidadania. A escola não distribui renda, mas distribui conhecimento que é poder. Escola cidadã é aquela que coloca o conhecimento - capital intelectual tão importante quanto o capital financeiro - nas mãos de todos, principalmente dos excluídos e forma o cidadão completo, competente, solidário, não apenas o cidadão competitivo, como quer a educação burguesa.
O nosso appartheid social não será superado apenas com uma melhor
distribuição de renda e com a solidariedade das classes médias. Será preciso preparar os jovens para o trabalho. Só a educação básica de qualidade para todos pode acabar com a miséria, como ficou demonstrado, entre outros países pela Coréia do Sul, Hong Kong e Taiwan que, há trinta anos atrás, encontravam-se em situação similar ao do Brasil e que hoje estão muito mais desenvolvidos, graças a investimentos maciços em educação. A escola pública está sendo ameaçada hoje interna e externamente em vários países da América Latina. Romper com ela significaria romper um dos últimos laços que unem o pacto democrático sobre o qual nasceu o Estado moderno. Ameaçar a escola pública - seja pela incompetência dos que são a seu favor ou pela prepotência dos que são contra ela - é ameaçar um dos bastiões da nossa civilização. Mas é preciso que ela se renome profundamente. Trata-se de resgatar a escola estatal enquanto escola mantida com recursos públicos. Mas trata-se também de torná-la realmente uma escola pública, enquanto dirigida a todos sem nenhuma discriminação e transformá-la numa escola
comunitária, enquanto escola pensada e dirigida por uma sociedade que se
responsabiliza efetivamente por ela. Evidentemente, essa escola não será construida de um dia para outro. Não se chegará lá rapidamente, nem por um passe de mágica, nem por uma teoria salvacionista. Não adiantaria alguns poucos chegarem lá muito rapidamente. É preciso que todos cheguem lá, em tempo.

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